Porque a falta de informação ainda macula as securitizadoras e seus papéis?
Comecei a questionar a transparência no mercado de securitização quando, há alguns anos, quis entender as razões para tamanha iliquidez no mercado secundário de certificados de recebíveis imobiliários (CRIs). Dentre as diversas justificativas que encontrei — muitas relativas à natureza desses títulos — uma me chamou muito a atenção: a falta de informações. Um investidor que deseje montar uma carteira de CRIs comprando ativos no mercado secundário, por exemplo, enfrenta enormes dificuldades para precificá-los a valor justo. Em uma operação estruturada, as informações constantes do prospecto da oferta primária não são suficientes para uma correta análise do papel após sua emissão; além disso, faltam no mercado informações atualizadas acessíveis aos investidores.
Um dos pilares do mercado de capitais é a transparência — a aptidão dos emissores e agentes envolvidos em cada operação de nada esconder, mantendo o mercado sempre informado. Por isso, da Lei 4.728/65 (que criou o mercado de capitais brasileiro) até as recentes regulamentações e os códigos de autorregulação, a transparência — representada pelo envio de informações em uma base recorrente aos órgãos competentes e aos investidores — é disciplinada de forma ativa. Nessa linha, por serem sociedades anônimas, as companhias securitizadoras já não deveriam observar os termos da Lei das S.As. e da Instrução 358 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e informar o mercado sobre qualquer ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possam influir de modo ponderável na negociação de seus valores mobiliários? E, então, qualquer informação já não deveria ser tempestivamente reportada ao mercado e disponibilizada aos investidores e a quem mais interessar? Por que a falta de informação ainda macula as securitizadoras e os seus papéis?
O advento do regime fiduciário garantiu aos títulos de securitização a existência de uma blindagem com relação ao patrimônio das companhias emissoras. No entanto, os CRIs emitidos por uma securitizadora, apesar de não terem o risco de crédito dela própria, não deixam de ser valores mobiliários de sua emissão. Além de assumirem a obrigação da transparência, as securitizadoras são gestoras fiduciárias de ativos e passivos vinculados a cada título emitido, sendo responsáveis por cobrança dos créditos-lastro, precificação dos títulos, monitoramento e execução de garantias, controle de covenants e relacionamento com câmaras de liquidação, agentes fiduciários, agências de rating e CVM. Enfim, a tempestividade na divulgação de todo e qualquer fato que possa interferir na análise de risco de um CRI é apenas a ponta final de uma cadeia de responsabilidades que são atribuídas às securitizadoras até a amortização integral de cada um dos papéis.
Diante do exposto, eu me pergunto se o que falta não é uma maior exigência, por parte dos investidores, daquilo que já está previsto em norma. Sou amplamente favorável a uma maior regulação e fiscalização, pela CVM, das securitizadoras, de forma a assegurar a solidez desse mercado e permitir seu desenvolvimento. Mas convido aqui os investidores a, independentemente de qualquer nova regulação, exigir aquilo que já está previsto nas normas vigentes. Busquem relatórios, atualizações, informações — e não apenas eventualmente, mas de maneira recorrente. Saibam quem (e de que forma) está cuidando dos seus recursos. Ter acesso a informações detalhadas e periódicas sobre a performance dos créditos e garantias-lastro dos investimentos é um direito de todos os investidores, não apenas dos qualificados ou profissionais.
A gestão fiduciária dos CRIs (bem como dos CRAs, os certificados de recebíveis do agronegócio) requer uma estrutura robusta de pessoas, sistemas e processos, conduzida de forma independente da gestão dos ativos proprietários da securitizadora, de forma a assegurar o fiel cumprimento de todo o previsto nos diversos documentos dessas operações, sem que haja conflito de interesses ou juízo de valor nas ações tomadas. A transparência, portanto, seria a consequência da demanda daquele que investe, e não somente uma questão regulatória.
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